Mas isso não sou eu: breves considerações sobre o pastiche e a esquizofrenia em Fredric Jameson

Felipe Kaizer


Texto produzido para a disciplina Arte e Design no contexto da sociedade contemporânea de Ricardo Fabbrini no curso de pós-graduação Design e Humanidade no Centro Universitário Maria Antonia USP em janeiro de 2013.

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Em 1998 foi publicado pela primeira vez “Postmodernism and Consumer Society” de Fredric Jameson, “originalmente apresentado como uma conferência […] no outono de 1982 e […] ampliado […] em 1984” (Jameson, 2006, p. 10). Desse texto comentaremos brevemente duas das categorias utilizadas pelo autor em sua análise sobre os fenômenos pós-modernos [1]:

Vou limitar a descrição (do pós-modernismo) a somente dois de seus traços mais significativos, os quais passo a denominar de pastiche e esquizofrenia; eles oferecem ocasião para sentirmos a especificidade da experiência pós-moderna do espaço e do tempo, respectivamente. [2] (Jameson, 1985, p. 18, grifo nosso) 

Jameson não está interessado apenas em determinar esses conceitos; com o uso subsequente de exemplos, ele tenta explicitamente “correlacionar a emergência de novos traços formais na vida cultural com a emergência de um novo tipo de vida social e de uma nova ordem econômica” (Ibid., p. 17). Portanto, se a relação entre o domínio cultural e o econômico está no cerne do seu argumento, estamos obrigados a ler suas palavras tendo em mente essa intenção declarada. Isso não significa, entretanto, que os “traços” do pós-modernismo estão limitados a sua descrição. De fato, ela pode se tornar ainda mais rica não apenas à medida que se somam novos exemplos aos seus, mas também pela atenção às implicações que o simples uso desses conceitos tem. Assim o faremos, remetendo estes a conceitos anteriores, não com o intuito de torná-los historicamente mais bem definidos, mas talvez para, com o autor, “esboçar […] a verdade interior desta ordem social emergente do capitalismo” (Ibid., p. 18).

Não obstante, reconhece-se com essa emergência que o pós-modernismo “não é apenas mais um termo para a descrição de determinado estilo”, e sim “um conceito de periodização” (Ibid., p. 17), isto é, que a expressão dessa verdade se processa no tempo. Grosso modo, isso também quer dizer que o pastiche e a esquizofrenia não podem ser pensados ex nihilo: basta atentarmos à posição que Jameson ocupa entre os representantes da Teoria Crítica, para que recordemos que sua utilização desses conceitos não se faz displicentemente. O autor não propõe “sentirmos a especificidade da experiência pós-moderna” sem apoio. Assim também não o faremos, e, se dermos outros exemplos, será em prol dos conceitos supracitados.

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O pastiche aparece em Jameson em contraste com o “fenômeno verbal afim que é a paródia” (Ibid., p. 18). Apesar de ambos serem vistos como “mimetismo de outros estilos” (Id.), grosso modo podemos dizer que aquele se diferencia deste por esvaziar a própria “norma linguística por meio da qual pudéssemos escarnecer as linguagens privadas e os estilos idiossincráticos” (Id.). Assim, compromete-se a própria função empática da imitação, já que:

[…] a prática [do pastiche] desse mimetismo é neutra, sem as motivações ocultas da paródia, sem o impulso satírico, sem a graça, sem aquele sentimento ainda latente de que existe uma norma, em comparação com a qual aquilo que está sendo imitado é, sobretudo, cômico. O pastiche é paródia lacunar, paródia que perdeu seu senso de humor: o pastiche está para a paródia assim como […] uma espécie de ironia branca, está para […] as ironias cômicas e estáveis, isto é, as ironias do século XVIII. (Ibid., p. 18-19, grifo do autor) 

Se é assim, podemos seguramente apontar a presença do pastiche nas imitações da quais sequer somos capazes de troçar. Tal é a gravidade dessa anulação que, privados da “norma”, ficamos privados também da possibilidade da sua transgressão. Entretanto, Jameson mobiliza na sua descrição outro termo; parece-nos que no caso do desaparecimento do cômico, a “ironia” não apenas sobrevive, mas grassa, a ponto de ab-rogar daquele na forma da “ironia cômica”. Logo, a autorrefencialidade da ironia sugere uma infinitude, que atravessa qualquer periodização: do final do século XX em direção a um passado remoto, para além do século XVIII, a ironia corrói todas as certezas morais, científicas e fatuais. Isto, o cômico, em simples oposição à norma, não seria capaz de provocar, afinal só:

[…] o irônico como individualidade genial, consiste na autoaniquilação do esplêndido, grandioso e primoroso […]. Mostra-se nisso, portanto, que não só não há seriedade com o direito, a eticidade, o verdadeiro, mas que não há nada no elevado e melhor, uma vez que isso se contradiz e se aniquila a si mesmo em sua aparição em indivíduos, caracteres e ações e, dessa maneira, é a ironia sobre si mesma. […] o cômico deve ser neste parentesco essencialmente distinguido da ironia. Pois o cômico deve ficar restrito ao fato de que tudo o que se aniquila é algo em si mesmo nulo, um fenômeno falso e contraditório […]. É completamente diferente, porém, quando algo de fato ético e verdadeiro, um conteúdo em geral e em si mesmo substancial, se apresenta num indivíduo a partir dele mesmo como algo nulo. (Hegel, 2001, p. 84, grifo nosso) 

O que percebemos no retorno a essa passagem de Hegel é que a ironia tem – em si mesma e sobre si mesma – um poder infinitamente destrutivo. Esse poder, pelo que fica exposto, não é exercido apenas sobre os objetos do passado e do presente, mas sim contra o próprio sujeito que o detém. O irônico encontra apenas vácuo onde antes havia algo “ético e verdadeiro” – é dessa espécie de nulidade que Jameson trata ao declarar a “falência da estética e da arte, a falência do novo, o encarceramento no passado” (Jameson, 1985, p. 19-20). Mas, em favor da ironia, é preciso assumir sem restrição a radicalidade do seu conceito, reconhecendo afinal que ela suprime a própria “periodização” – se entendemos corretamente o ponto de Hegel, a qualidade extemporânea da ironia condena o sujeito irônico ao cárcere do seu presente, e não do passado.

É então, com razão, que Jameson enfatiza a nostalgia típica da pós-modernidade – aquele consolo dos encarcerados que perderam até mesmo o último recurso da esperança. Contudo, ao identificar a nostalgia em filmes como Guerra nas estrelas – que tentam, a seu ver, recuperar numa forma vazia a experiência dos seriados intergaláticos dos anos 1930 e 50 –, Jameson parece ainda admitir um resto de referente a ser esvaziado, mesmo que fora da “caverna de Platão” (Ibid., p. 21), ao passo que a ironia, segundo o que vimos, suprime o referente de modo absoluto. Não obstante a raridade, portanto, das ocasiões em que podemos encontrá-la manifesta, arriscamos dizer que se existe algo como uma “ironia pós-moderna”, ela também deve vir à luz de exemplos.

Atentemos então para um cover do nosso tempo, que inverte o pastiche usual, no qual músicos pop fazem versões das composições alheias e antigas. Ouçamos Miles Davis tocando os hits de Cyndi Lauper e Michael Jackson em 1985 [3]. Como devemos encarar então um gesto desse tipo, executado por um músico com a trajetória de Miles? Será que se trata de uma piada de mau gosto, ou melhor, sem gosto? Se podemos extrair uma lição de ironia até aqui, é a de que jamais saberemos. Temos certeza apenas do abismo que se abre entre o artista e seu público; mas não só, pois a ironia ironiza-se, e logo a esse abismo corresponde àquele entre o sujeito e si mesmo. A hipótese pós-moderna, por sua vez, é de que essa negatividade não é necessariamente o sintoma de uma decadência: não encontramos nesse exemplo uma unidade mais concreta entre jazz e pop do que aquela apenas prenunciada na música de Louis Armstrong? E se assim for – e um cover entre contemporâneos tem um efeito retroativo sobre o estatuto dos seus antecessores –, então o senso histórico ganha um novo vigor graças ao mesmo gesto irônico que outrora o minou.

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De certa forma, é em busca desse sujeito desaparecido que Jameson continua ao tratar em seguida da “morte do sujeito” (Jameson, 2006, p. 23), empregando, dessa vez, o termo esquizofrenia. Sua descrição segue a teoria lacaniana, na qual a suposta origem dessa psicose estaria numa “desordem da linguagem […] a partir da deficiência infantil em aceder plenamente ao domínio da fala e da linguagem” (Jameson, 1985, p. 22). Antes dessa conclusão, entretanto, lembremos que a base estruturalista dessa teoria afirma a relação entre significados e significantes e os seus possíveis distúrbios. Logo, grosso modo, na esquizofrenia, é a opacidade do significante a responsável por impedir o acesso ao significado, mantendo o sujeito preso a sua literalidade, de tal forma que não apenas a realidade perde seu estatuto de referente do signo, mas o próprio sujeito perde o acesso a si mesmo:

[…] o esquizofrênico não chega a conhecer […] a articulação da linguagem, nem consegue ter a nossa experiência de continuidade temporal tampouco, estando condenado, portanto, a viver em um presente perpétuo, com o qual os diversos momentos de seu passado apresentam pouca conexão e no qual não se vislumbra nenhum futuro no horizonte. Em outras palavras: a experiência esquizofrênica é uma experiência da materialidade significante isolada, desconectada e descontínua, que não consegue encadear-se em uma sequência coerente. O esquizofrênico não consegue desse modo reconhecer sua identidade pessoal no referido sentido, visto que o sentimento de identidade depende de nossa sensação da persistência do “eu” e de “mim” através do tempo. (Ibid., p. 22) 

É assim que Jameson conclui que, diante desse reencarceramento e dessa nova perda da periodização, restaria ao sujeito pós-moderno tão somente a intensidade das sensações, “de modo algum agradável” (Ibid., p. 23). Não é difícil concordar com o autor sobre essa a vertigem dessa “irrealidade” (Id.) – apenas, entretanto, do ponto de vista da saúde, afinal, na crítica jamesoniana encontramos “significantes pairando livremente” (Ibid., p. 24) sobre a “persistência do ‘eu’”. Inadvertidamente admitimos com isso o pressuposto da existência de um núcleo duro da identidade. Isto, no entanto, é o maior risco que se pode correr na aplicação de uma teoria psicanalítica ao contexto da produção cultural do capitalismo tardio [4]; em poucas palavras, a postulação, mesmo que formal, de um sujeito da “verdade interior da ordem social” [5].

O paradoxo é que, se quisermos fazer aparecer em nossa investigação um sujeito que corresponda à sociedade pós-moderna, precisamos antes encontrar no sujeito o motor dessa mudança social. Em suma: se o sujeito tornou-se outro a partir da década de 1960, então esteve nele desde sempre a potência para essa mudança. Isso equivale a dizer que a cisão histórica da qual depende a periodização pode ser apenas o reflexo da atividade do próprio sujeito cindido. Ademais, se Jameson estiver correto, é na pós-modernidade que se confirma a necessidade dessa diferença interna [Unterschied] vir à aparência, mesmo nos “traços formais” da linguagem artística. Recordemos que, ao menos em uma ocasião, Lacan foi capaz de descrever essa diferença como aquela sendo entre o sujeito do enunciado e o sujeito da enunciação:

É completamente falso responder, a […] eu minto, que se você diz eu minto é que você está dizendo a verdade, e portanto você não está mentindo; e assim por diante. É completamente claro que o eu minto, apesar de seu paradoxo, é perfeitamente válido. Com efeito, o eu que enuncia, eu da enunciação, não é o eu do enunciado […]. Daí que, do ponto em que enuncio, me é perfeitamente possível formular de modo válido que o eu – o eu que, nesse momento aí, formula o enunciado – está mentindo, que mentiu um pouco antes, que mente depois, ou mesmo que dizendo eu minto, ele afirma que tem a intenção de enganar. (Lacan, 2008, p. 138, grifo do autor) 

É como se ouvíssemos agora uma dissonância na própria voz do eu, que, não coincidente consigo mesmo, faz reverberar os próprios significantes entre si. E se interrogássemos essa voz sobre a veracidade do dito, ela poderia validamente responder não apenas eu minto mas também eu digo isso, mas isso não sou eu, [6]. É inevitável que logo venha à mente um dos sucessos da banda americana Beach Boys:

I had to prove that I could make it alone
But that's not me
I wanted to show how independent I'd grown now
But that's not me I could try to be big in the eyes of the world
What matters to me is what I could be to just one girl […]

Nesse caso, a repetição da mesma frase não é um mero recurso de ênfase; ela duplica o eu, a ponto de sugerir que não se trata das confissões de um indivíduo, mas duma conversa absurda entre dois sujeitos. Notemos também como a ausência do “but” no início do sexto verso bloqueia a relação de casualidade óbvia que ele poderia manter com o verso anterior, duplicando novamente o sujeito do enunciado. Igualmente, nas demais faixas do Pet Sounds (Capitol, 1964), proliferam “I”s em excesso. Essa fragmentação de eus, contudo, não se dá por acaso: sabemos que o letrista Tony Asher era redator publicitário, e posteriormente diretor e autor de inúmeros jingles. Daí que ouçamos ressoar em cada verso a forma de um slogan, cujo conteúdo pode passar desapercebido.

Esse exemplo ilumina algo não apenas insuspeito, mas também contra-intuitivo: que o sujeito persistente é o resultado do “distúrbio do relacionamento entre significantes” (Jameson, 1985, p. 22), e não sua origem obscura. Logo, o primado é do significante, e simboliza-se "por S barrado ($) o sujeito, no que constituído como segundo em relação ao significante.” (Lacan, 2008, p. 140, grifo nosso). Portanto, a inversão proposta por Lacan supera o senso comum da “identidade pessoal” e retira da crítica estética e social o seu baluarte: o sujeito pétreo, sério ou cômico, autor ou público dos “traços formais”, agente ou produto da “ordem social emergente do capitalismo tardio”. A pergunta que se faz então a essa crítica é como empreender a correlação pretendida entre vida cultural e vida socioeconômica em companhia apenas do irônico, aquele que não se leva tão a sério? É profundamente desconfortável para ela que, em vista do desacordo entre o sujeito do enunciado e o sujeito da enunciação, não baste afirmar que Miles plays Cyndi, but that's not Miles, mas que se conclua que Miles plays Miles, but that's not Miles.

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Seguindo a trilha reversa do pastiche e da esquizofrenia em direção à ironia e ao S barrado ($) respectivamente, nos encontramos diante de uma série nova de problemas. No entanto, diante do desaparecimento do sujeito nas sociedades capitalistas pós-modernas, costumamos reabilitá-lo ao menos como algo que, tendo existido em algum ponto da história, deixou de existir. Logo, ao “sentirmos a especificidade da experiência pós-moderna” como o efeito de forças alheias, denunciamos o achatamento do gosto promovido pela indústria cultural, recusando, nas palavras de Theodor Adorno, “a liquidação do indivíduo” cujas exigências são “forçadas a se amoldarem aos padrões gerais” (Adorno, 1983, p. 170). Doutro modo, procuramos em exemplos da música popular tanto os sintomas da “lógica do capitalismo da sociedade de consumo” quanto os sinais da “resistência a essa lógica” (Jameson, 1985, p. 26), dado que a qualidade imanente da Teoria Crítica garante ao objeto um juízo em seus próprios termos. A despeito disso, o diagnóstico dos críticos não poderia refletir uma distância mais intransponível entre eles e a música do seu tempo, para os quais:

[…] a audição regressiva [perpetrada pela música de massas] constitui um inimigo impiedoso não só dos bens culturais que poderíamos chamar “museológicos”, mas também da função antiquíssima e sagrada da música como instância de sujeição e repressão dos instintos. Não sem punição, as produções depravadas da cultura musical são expostas ao jogo desrespeitoso e ao humor sádico. Face à audição regressiva, a música em sua totalidade começa a assumir um aspecto curioso e cômico. […] O aspecto cômico da música na fase atual tem como primeiro motivo o fato de que se faz uma coisa completamente inútil com todos os sinais visíveis do esforço exigido por um trabalho sério. A estranheza da música para as pessoas sérias denota a estranheza que reina entre elas e a consciência desta estranheza se exprime em uma explosão de gargalhadas. Na música […] torna-se cômica a sociedade que a condena ao cômico. Daquela gargalhada participa a decadência do espírito sagrado de conciliação. (Adorno, 1983, p. 190, grifo nosso) 

Nesses termos, caímos fora da Graça – abaixo da crítica, a música popular sequer é considerada transgressora, mas meramente indigna. Talvez por isso nem Jameson nem Adorno proponham ao final de suas exposições uma agenda – tampouco o faremos. Pudemos apenas expor o que estava já implicado na descrição dos “traços mais significativos” da pós-modernidade. No entanto, encontramos em nossa investigação o que parece ser um movimento dialético subjacente aos termos utilizados pelos próprios autores. Nele a tríade Sagrado-Cômico-Irônico [7] indica uma diferença qualitativa entre oposições. Isso significa que, por exemplo, à medida que a “música sagrada” ganha na modernidade uma nova concretude na oposição subcontrária entre “música séria” e “música cômica”, esta, por sua vez, só pode ser devidamente visada retrospectivamente a partir da contradição interna que a “música cômica” estabelece consigo mesma em sua transformação em “música irônica”, isto é, em “música para si mesma”. Diante da “verdadeira” oposição entre “música irônica” e “música sagrada” (ou somente entre “música” e “música”), a oposição entre a “séria” e a “cômica” é “falsa”, pois nela os termos são mutuamente dependentes. Apesar disso, a transformação da contraposição entre dois termos na contradição interna do terceiro não equivale a uma síntese, ou, em outras palavras, segundo esse exemplo: a música cômica já era a irônica, agora não apenas em si, mas também para si mesma.

Analogamente, poderíamos especular que o prognóstico já está no diagnóstico; e a visão de uma crise irreversível já é o princípio da sua “solução”. Portanto, não nos desesperemos: a crítica tem fornecido os instrumentos conceituais que a permitem captar a mudança ocorrida no estado da arte nas últimas décadas. Mas isso não a exime da sua escuta.


Notas

  1. As outras duas categorias são o espaço e o tempo. Vale notar que em uma versão ulterior do texto Jameson trocou seus exemplos temporais sobre a esquizofrenia – como o da música de John Cage – por uma análise do “hiperespaço pós-moderno” do edifício Westin Bonaventure (Jameson, 2006, p. 30-40). Por este e outros motivos não trataremos aqui das correspondências entre o pastiche e o espaço, e entre a esquizofrenia e o tempo. ^
  2. No original: “I want here to sketch a few of the ways in which the new postmodernism expresses the inner truth of that newly emergent social order of late capitalism, but will have to limit the description to only two of its significant features, which I will call pastiche and schizophrenia; they will give us a chance to sense the specificity of the postmodernist experience of space and time respectively” (Jameson, 1998, p. 3)^
  3. You're under Arrest, Columbia, 1985. Considerando que é genuíno o entusiasmo do público dos shows de Miles ao som desses covers, podemos especular sobre uma ironia que não é apenas aniquilação de tudo que é sério ou sagrado. A relação entre o irônico e o público é uma das chaves para a essa compreensão: “[…] sempre encontramos pelo lado da ironia as mesmas queixas de que o público não tem um senso profundo, uma visão artística e gênio, e que não entende estas alturas da ironia; isto é, ao público não agrada esta baixeza e o que em parte é trivial em parte destituído de caráter. Ainda bem que tais naturezas nostálgicas e sem conteúdo não agradam; é um consolo saber que esta improbidade e hipocrisia não são bem recebidas e que as pessoas, pelo contrário, anseiam tanto por interesses completos e verdadeiros quanto por caracteres que permanecem fiéis a seu conteúdo grave” (Hegel, 2001, p. 84-85)^
  4. E não que a esquizofrenia soe a um diagnóstico de indivíduos pós-modernos: “Antecipadamente quero refutar possíveis equívocos quanto ao emprego feito aqui desta palavra: sua intenção é descritiva, e não diagnóstica. Nunca me ocorreu que alguns dos artistas pós-modernos mais significativos […] sejam de alguma maneira esquizofrênicos” (Jameson, 1985, p. 21)^
  5. Lacan chega a apontar explicitamente um erro fundamental na “objetividade psicológica”: “Esse erro é de considerar unitário o próprio fenômeno da consciência, de falar da mesma consciência, tida como poder de síntese na orla iluminada de um campo sensorial, na atenção que o transforma, na dialética do julgamento e no devaneio comum. ¶ Esse erro se funda sobre a transferência indevida a esses fenômenos do mérito de uma experiência de pensamento que os utiliza como exemplos” (Lacan, 2011, p. 315)^
  6. Lacan utiliza o mesmo termo: “Ao sujeito pois, não se lhe fala. Isso fala dele [ça parle de lui], e é lá que ele apreende, e tanto mais forçosamente quanto antes que pelo único fator de que “Isso” se endereça a ele, ele desapareça como sujeito sob o significante que fica sendo, ele não era absolutamente nada” (Lacan, 2011, p. 320, grifo nosso)^
  7. Se sobrepusermos essa tríade àquela da Filosofia do Espírito de Hegel, teremos um resultado curioso: ao Sagrado corresponderia a Arte, ao Cômico a Religião, e ao Irônico a Filosofia. A última correspondência não nos surpreende se recordamos da figura primordial de Sócrates; a segunda tampouco se temos em mente o modo como todo dogma articula sua própria transgressão; a primeira, por sua vez, pode dar uma pista sobre qual arte discute-se acaloradamente o fim: “A bela arte […] leva a termo a sua mais alta tarefa quando se situa na mesma esfera da religião e da filosofia e torna-se apenas um modo de trazer à consciência e exprimir o divino, os interesses mais profundos da humanidade, as verdades mais abrangentes do espírito. Os povos depositaram nas obras de arte as suas intuições interiores e representações mais substanciais, sendo que para compreensão da sabedoria e da religião a bela arte é muitas vezes a chave – para muitos povos inclusive a única” (Hegel, 2001, p. 32, grifo do autor)^

Referências